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Showing posts from October, 2025

O Frio

O frio lá fora sussurra contra o vidro, um xale de geada, um mundo enregelado. Mas aqui, o teu corpo é o meu abrigo, e o inverno é apenas um quadro esquecido. As chamas dançam, um balé dourado e voraz, lambendo a escuridão com suas línguas de paz. E na pele nua, o seu reflexo a tremer, o calor que sinto não vem só do lume a arder. Tua mão desliza, um brando assédio de verão, sobre a geada interior da minha solidão. O crepitar da lenha é um ritmo, um segredo, que acompanha o baile do nosso desejo quieto. E quando os suspiros se confundem com a fumaça, o inverno dobra a esquina, a alma fica farta. Pois o fogo que queira não está na lareira, mas no verão sem fim que a tua pele liberta.

Fantasma Carnal

Não é o toque que me define, mas o seu contorno na escuridão. O molde do teu corpo no colchão, geografia do que ainda não veio. Teus dedos não pressionam minha nuca, mas o eco deles aprendendo o osso. É a memória da tua boca úmida que me bebe agora, em seco. Ausência que se faz presença ativa, mais densa que a carne, mais urgente. Projeto-te sobre a parede nua, e o vão entre nós fica quente. Sinto o peso do teu olhar distante mais do que a palma sobre o peito. É um assédio de imaginário, um delírio preciso, um preceito. O erotismo mora neste intervalo, nesta lacuna que palpita e chama. É o negativo do abraço, a fotografia que ainda queima na cama. E no ápice deste vazio inventado, quando o corpo arqueja por um golpe de ar, compreendo que o gozo mais profundo é aquele que só a saudade sabe dar.

A Carne que Questiona

Sobre a pele, um tratado de existir: teus dedos traçam mapas de um vazio primordial. Cada toque — um ato de rebeldia contra o nada, cada beijo — um problema sem solução na boca. Não somos deuses, mas animais que pensam, suando angústia no crepúsculo do quarto. Estes corpos, feitos de acaso e desejo, procuram sentido no breve tremor de um músculo. Abraço-te não por amor, mas por desespero, porque a solidão é um abismo muito largo para um só. E quando entras em mim, não é para preencher, mas para ampliar o vazio que nos define. Gozamos não de prazer, mas de esquecimento: trinta segundos de silêncio metafísico. Antes que a mente retorne, pesada, a perguntar por quê. Nesta cama, sob o peso do universo indiferente, inventamos significados com nossos húmidos corpos. Sabendo que amanhã seremos de novo dois estranhos, vestindo a mesma solidão essencial.